domingo, 5 de maio de 2013

O perigo das experiências espirituais imaginadas


O abuso perigoso das imagens e do símbolo pode ser constatado, por exemplo, no caso de alguém que tenta fazer surgir uma "chama viva" pelo exercício da vontade, da imaginação e do desejo e se persuade, então, a si próprio, de que teve a "experiência de Deus". Num tal caso, ter-se-ia de pagar muito caro essa evidente fabricação, pois existe uma diferença total entre os frutos de uma autêntica experiência religiosa, puro dom de Deus, e os resultados de nossa imaginação. Como declarou sem rodeios Jacob Boehme: "Onde encontramos nas Escrituras que uma prostituta pode tornar-se virgem por simples decreto?"

A experiência viva do amor divino e do Espírito Santo na "Viva Chama", a que se refere S. João da Cruz, é uma verdadeira consciência que se tem de haver morrido e ressuscitado em Cristo. É uma experiência de renovação mística, uma transformação interior ocasionada unicamente pelo poder do amor misericordioso de Deus, que implica a "morte" do ego autocêntrico e auto-suficiente e o surgir de um novo ser libertado, que vive e age "no Espírito". Mas, se o antigo eu, o ego autônomo e calculador, procura apenas imitar os efeitos de uma tal regeneração, para a satisfação e vantagem próprias, o efeito é exatamente o oposto: o ego procura afirmar-se em sua própria existência egoísta. O grão de trigo não penetrou na terra e não morreu. Permanece duro, isolado e seco; não há fruto nenhum, apenas um gabar-se mentiroso e blasfemo - um ridículo fingimento!

Se a mentira e a invenção, do ponto de vista psicológico, são perniciosas mesmo nas relações comuns com outras pessoas (uma álea onde uma certa medida de falsificação não é rara), toda falsidade é desastrosa em qualquer relação com a base de nosso próprio ser e com Deus que a nós se comunica através de nossa própria verdade interior. Falsificar nossa verdade interior, sob pretexto de nos unirmos a Deus, seria a mais trágica infidelidade, a nós mesmos em primeiro lugar, à vida, à própria realidade, é claro, a Deus

Thomas Merton, Poesia e Contemplação

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