quarta-feira, 1 de maio de 2013

A noite escura


Na "noite escura" dos sentimentos e dos sentidos, sente-se, por vezes frequentemente, angústia na oração. É necessário que assim seja, pois essa noite marca a transferência do pleno e livre controle de nossa vida interior para as mãos de um poder superior. E isso significa, também, que o tempo da obscuridade é, de fato, um tempo de riscos e difíceis opções. Começamos a sair de nós mesmos: isto é, somos arrastados para fora de nossas habituais e conscientes defesas. Essas defesas são também limitações que devemos abandonar se queremos crescer. Mas são elas, ao mesmo tempo, a seu modo, uma proteção contra as forças inconscientes demasiadamente grandes para enfrentarmos desnudados e sem proteção.

Se avançarmos nessa escuridão, teremos de encontrar-nos com essas inexoráveis forças. Teremos que enfrentar temores e dúvidas. Teremos de questionar toda a estrutura de nossa vida espiritual. Teremos que fazer uma nova apreciação daquilo que nos tem motivado a crer, a amar, a nos engajarmos em relação ao Deus invisível. E, nesse momento precisamente, toda luz espiritual é obscurecida, todos os valores perdem sua forma e se diluem, parecem não ter realidade e ficamos, por assim dizer, suspensos no vácuo.

O aspecto mais crucial dessa experiência é exatamente a tentação de duvidar do próprio Deus. Não devemos minimizar o fato de ser isso um verdadeiro risco. Pois, aqui, estamos nos adiantando e ultrapassando a fase em que Deus se tornou acessível à nossa mente por meio de simples e primitivas imagens. Estamos penetrando na noite em que Ele está presente sem qualquer imagem, invisível, imperscrutável e situado além de qualquer representação mental satisfatória.

Num momento desses, alguém que não esteja seriamente fundamentado numa autêntica fé teológica pode tudo perder do que tenha possuído. Pode sua oração tornar-se uma luta obscura e detestável para preservar as imagens e os enfeites que disfarçavam o vácuo interior. Deverá ele então enfrentar a verdade de seu vazio ou bater em retirada voltando ao domínio das imagens e analogias que não mais sirvam a uma vida espiritual madura. Poderá ele não ser capaz de enfrentar a tão terrível experiência de estar aparentemente sem fé, de maneira a nela realmente crescer. Pois é este o teste, este o fogo de purificação que queima até às cinzas os elementos humanos e acidentais da fé, de modo a libertar o profundo poder espiritual que existe no centro de nosso ser. 

Devastarei sua vinha e sua figueira, das quais dizia: eis a paga que me deram meus amantes. Farei delas um matagal, que os animais selvagens devorarão. Por isso a atrairei, conduzi-la-ei ao deserto e falar-lhe-ei ao coração. Dar-lhe-ei as suas vinhas e o vale de Acor, como parte de esperança. Aí ela se tornará como no tempo de sua juventude, como nos dias em que subiu da terra do Egito. Não lhe deixarei mais na boca os nomes dos Baals e ninguém pronunciará tais nomes. Farei para eles, naquele dia, uma aliança com os animais selvagens, as aves do céu e os répteis da terra; farei desaparecer do país o arco, a espada, a guerra e os farei repousar com segurança." (Os 2, 14;16-17; 19-20).
 Thomas Merton, Poesia e Contemplação

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