quarta-feira, 9 de maio de 2012

A Vida Monástica - Parte II


Thomas Merton

De todas as Ordens religiosas, as Ordens monásticas são as que possuem as mais antigas e monumentais tradições. Ser chamado à vida monástica, é ser chamado a uma forma de santidade, enraizada na sabedoria de um distante passado, e, no entanto, viva e moça, com uma mensagem peculiarmente nova e original aos homens do nosso tempo. Ninguém pode tornar-se monge, no sentido mais completo da palavra, sem que a sua alma se harmonize ao poder transformante e vivificador da tradição monástica. E se é isso verdade em qualquer parte, sê-lo-á especialmente na América, onde os homens não estão acostumados a antigas tradições, nem muitas vezes prontos a compreendê-las.

Que é a tradição monástica? É a forma de vida, praticada e transmitida de geração a geração, desde os tempos dos primeiros monges, os Padres do Deserto egípcio, os quais, por sua vez, achavam que simplesmente punham em prática a pobreza e a caridade dos Apóstolos e dos primeiros discípulos de Cristo. A tradição monacal é, assim, um corpo de costumes, atitudes e crenças, que resumem toda a sabedoria da forma de viver monástica, e ensina o monge a ser monge, da maneira mais simples e eficiente - a maneira como monges sempre foram monges. Mas, ao mesmo tempo, ela diz ao monge como ser monge nas circunstâncias peculiares do nosso tempo, lugar e cultura.

A tradição monacal nos diz, por exemplo, o lugar que têm em nossa vida a oração, a leitura e o trabalho. Mostra-nos que a hospitalidade é um aspecto importante da vocação monástica. Ensina-nos que temos de ser homens de penitência e de disciplina, ensinando-nos, ao mesmo tempo, a justa medida e a discrição a seguir nestas coisas. Mostra-nos claramente a relativa insignificância da observação exterior, comparada com o espírito interior e o que é realmente essencial à vida monástica. Em uma palavra, ela põe tudo em ordem, na vida dos monges.

Onde falta o senso da tradição própria dos monges, eles começam logo a levar uma vida desequilibrada. São incapazes de aprender a verdadeira discrição. Não podem adquirir o senso das proporções. Esquecendo o que deviam ser, tornam-se incapazes de fixar-se e de viver em paz no mosteiro. Não conseguem viver em paz com os seus superiores ou irmãos. Por que isso? Porque monges que nunca aprenderam a ser verdadeiros monges, ficam como loucos, tentando viver a vida monástica com o espírito e os métodos apropriados a outra espécie de vida. Somente um genuíno senso da tradição monacal consegue preservar o bom-senso e a paz no mosteiro. Mas esse senso não se adquire automaticamente, principalmente num mosteiro de pouca ou nenhuma tradição. Ele deve ser aprendido. E só por um contato direto com as fontes da sua vida. É por isso que S. Bento exorta os seus monges a lerem Cassiano, S. Basílio e os Padres do Deserto. Mas a leitura dos antigos livros monásticos é só um desses meios, e não o mais importante. A única maneira de tornar-se monge, é viver entre monges reais, e aprender a viver por seu exemplo.

Nessa questão de tradição monástica, devemos ter o cuidado de distinguir tradição e convenções. Em muitos mosteiros de pouca tradição viva, pensam os monges que são tradicionais. Por quê? Porque estão apegados a um complicado corpo de convenções. Convenção e tradição podem, na superfície, parecer a mesma coisa. Mas, essa semelhança superficial só serve para tornar o convencionalismo ainda mais nocivo. Tais costumes convencionais são a morte da tradição real, como, aliás, de toda a vida verdadeira. São parasitas que aderem ao organismo vivo da tradição e devoram-lhe a ralidade, para convertê-la em oco formalismo.

A tradição é viva e ativa ao passo que a convenção é passiva e morta. A tradição não nos forma automaticamente: temos de trabalhar para compreendê-la. A convenção, essa é aceita passivamente, como coisa de rotina. É por isso que ela se torna facilmente uma evasão da realidade, oferecendo-nos apenas uns pretensos meios de resolver os problemas da vida - um sistema de gestos e formalidades. A tradição ensina-nos realmente a viver e a tornar-nos plenamente responsáveis por nossa própria vida. Ela é, assim, muitas vezes, o extremo oposto de tudo o que é ordinário, e pura rotina. Já o costume convencional, que não passa de repetição de hábitos familiares, rege a lei do menor esforço. Executa-se um ato sem compreender-lhe o sentido, simplesmente porque os outros fazem o mesmo. A tradição, que é sempre velha, é, ao mesmo tempo, sempre nova, porque sempre revive - renascendo em cada nova geração, para ser vivida e aplicada de um modo novo e particular. A convenção é simplesmente a ossificação de costumes sociais. As atividades das pessoas convencionais são simples desculpas para não agirem de um modo mais integralmente humano. A tradição alimenta a vida do espírito, enquanto a convenção apenas disfarça a sua decadência interior.

Finalmente, a tradição é criadora. Sempre original, ela abre, sem cessar, novos horizontes a uma velha caminhada. A convenção, por seu lado, é completamente despida de originalidade. É uma imitação servil. Fecha-se sobre si mesma e leva à completa esterilidade.

A tradição nos ensina a amar, porque desenvolve e amplia as nossas faculdades, mostrando-nos como havemos de entregar-nos ao mundo em que vivemos, em retribuição de tudo que dele recebemos. O formalismo só alimenta ansiedade e medo. Ele nos separa das fontes de toda a inspiração, arruína a nossa fertilidade para fechar-nos dentro da prisão dos esforços frustrados. Ela é, no fim, apenas a máscara da futilidade e do desespero. Nada poderia ser melhor para um monge, do que viver e crescer na sua tradição monástica. E nada mais fatal para ele, do que dissipar a sua vida num emaranhado de convenções monásticas.

MERTON, Thomas. Homem Algum É Uma Ilha. Rio de Janeiro: AGIR, 1968. p. 131-133.

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