domingo, 7 de agosto de 2011

3º Mistério Gozoso - O Nascimento de Jesus na gruta de Belém


"Ave, que a estrela perene geraste"
Ave, és aurora do Místico dia!
Ave, que a forja do engano extinguiste!
Ave, os mistérios de Deus iluminas"

Akatistos, Ikos V


Neste Mistério, contemplamos o nascimento de Nosso Senhor quando, por ocasião do recenseamento, José e Maria tiveram de viajar para Jerusalém. No meio do caminho, quando passavam por Belém, completaram-se os dias da gravidez de Maria e, notando-o, José procurou conseguir um lugar nalguma hospedaria. No entanto, onde quer que batesse, escutava sempre o mesmo: "Não há lugar aqui para vós".

Há um gênero literário bíblico que se chama "Midrash". Nele, os escritores esboçam, já no nascimento de um grande sujeito, algo do que ele será futuramente. Aqui, nós temos, no nascimento de Cristo, uma série de antecipações de coisas que é bom compreender. Desde o início, Ele será rejeitado, conforme diz a Escritura: "Ele veio para os seus, mas os seus não o receberam". Os homens estavam ocupados demais com os seus trabalhos, embotados de preocupações terrenas, fechados ao Mistério de tal modo que, ainda quando Ele bateu em suas portas, eles não o reconheceram e, portanto, não o receberam.

No entanto, é verdade que os homens encontram sua alegria em Deus. Portanto, aquela distração em ocupar-se somente com as coisas nas quais se importavam os afastava, concretamente, da alegria. Que honra teria sido hospedar aquela família! Eles não O reconheceram. Afinal, era uma noite aparentemente comum e nada de extraordinário se insinuava naquele homem que pedia abrigo.

Isto me faz lembrar de duas coisas. Primeiramente, de Elias que reconheceu a presença de Deus numa brisa suave. Soprou a brisa e Elias cobriu o rosto. Deus é discreto, é simples e não gosta de chamar a atenção. É muito amigo do silêncio e da humildade. Só que, para notar essas coisas, é preciso sair do frenético do dia-a-dia. Contemplar o silêncio implica pôr-se em silêncio. Aqueles homens da hospedaria estavam ocupados demais: "Não há lugar para vós".

Depois, quantas vezes teremos sido, nós mesmos, estes maus hospedeiros! Quantas vezes Jesus poderá ter batido em nossa porta e nós não O teremos reconhecido! Ocupados demais com as nossas bagatelas, com o draminha da nossa vida, ou preocupados demais com a aparência ou o cheiro deste que veio. "Não, não pode ser Ele". Como desconhecemos a Nosso Senhor! E como, por diversas vezes, estamos fechados ao Mistério. É precisamente este o sentido autêntico do que Jesus diz no Sermão da Montanha: "Ai de vós que rides", isto é, ai de vós que vos distraís com vossas coisinhas, fechados em vosso egoísmo, e desprezais as visitas que o Mistério vos faz. E, crentes de nossa bondade, nós perpetuamos o "não há lugar aqui para vós".

Nosso Senhor foi rejeitado desde o início. Nem havia ainda nascido, os homens já lhe negavam lugar em seu meio. E, no entanto, a Escritura nos diz que a alegria de Jesus era habitar no meio dos homens. Jesus não desiste e ama os homens de tal maneira que se exila com eles. E é, aí, feliz. Tem esperança de despertar-nos da nossa letargia.

José não conseguiu hospedagem. Voltando ao lugar onde estava sua Esposa, uma gruta em Belém, Jesus já era nascido e chorava sobre uma manjedoura. Primeiro, vejamos um ponto muito interessante. Toda aquela situação parecia muito inusitada, parecia algo meio caótico, uma coisa meio desesperadora. Ninguém poderia supor uma participação divina naquilo. Ao contrário, parecia talvez um descuido e era muito fácil lamentar-se, pensando ser obra do acaso. No entanto, a Escritura nos diz: "E nasceu em Belém para que se cumprissem as Profecias". De novo, Deus é discreto. Teríamos muito maior facilidade de acreditar a atuação divina se José tivesse encontrado uma hospedaria muito particular, ornada de ouro, e animada pelos músicos mais habilidosos da antiguidade. No entanto, a vontade divina se revela justamente aqui, onde o baixo parecer humano apenas teria motivos de lamentar. Que frescura temos nós de reduzir Deus aos nossos critérios! Afirmamos teologicamente que Ele é infinito, mas quase não O aceitamos sê-lo no real.

Ter nascido em Belém ainda nos revela algumas coisas muito interessantes. Belém, cujo nome original é Bethlehem, significa "Casa do Pão". Nenhum lugar mais adequado para Aquele que será o "Pão Vivo que desceu do Céu", o "Verdadeiro Maná", tantas vezes prefigurado nas Escrituras. Depois, Jesus foi posto numa manjedoura, que é justamente um lugar onde se coloca a comida dos animais. E faziam-Lhe companhia um boi e um jumentinho, e isto nos remonta a Isaías, onde se lê: “O boi conhece o seu dono, e o jumento o presépio do seu senhor, mas Israel não me conheceu” (Is. I, 3) Coisa admirável!

Deus nascia! E vinha como um indefeso e inofensivo infante. Naquela noite, Seu chorinho rompeu o silêncio e, junto a Ele, cantavam talvez uns grilos e... mais nada. Silêncio. Nasceu pobre,  porque assim foi do Seu agrado, Ele que será o Esposo da Pobreza desde o início. Foi pobre, não porque nada tivesse, pois nunca deixou de ser Deus e de ser Rei, mas foi pobre porque tudo deu. "Amou-nos ao extremo", dirá João, o Apóstolo que se reclinava no Seu coração.

Era comum e extraordinário! Era Deus e homem! O saudoso prof. Orlando Fedeli fazia notar que, como homem, nascera de Mulher; como Deus, nascia de uma Virgem e não lhe rompia a Virgindade, assim como quando, depois de ressurreto, entrava no Cenáculo estando as portas fechadas. Como criança humana, não sabia andar. Como Deus, movia a estrela. Mais tarde, como homem, dormirá num barco. Como Deus, despertado, ordenará que o mar se acalme. Este é Jesus que, agora, dorme nos braços da Virgem. O Amante da pobreza, o Coração que tanto amou o mundo, o Pão que veio nos saciar a fome.

Jesus foi ainda visitado por dois grupos: um de pastores, e outro de reis. Os pastores, avisados pelos anjos, vieram adorá-Lo e reconheciam n'Ele Aquele que será o Verdadeiro Pastor, Aquele que dirá: "As minhas ovelhas conhecem a minha voz". É este quem guiará as ovelhas perdidas aos pastos onde mana leite e mel, e saberá deixar as noventa e nove em segurança para ir buscar aquela única que se extraviou, e a trará sobre os ombros.

Também os reis o visitaram, reconhecendo n'Ele a verdadeira Majestade, e O adoraram. S. Pedro Julião Eymard, comentando sobre esta visita, ensina que o amor quer, por força, imitar o que se ama. Também os reis magos, contemplando a Suma Majestade rebaixada daquele modo, quereriam, eles também, rebaixar-se até as entranhas da terra, se pudessem, a fim de imitar-Lhe a humildade. E Lhe presentearam com Ouro, Incenso e Mirra.

O ouro, ornamento de reis, testemunhava que a realeza de Jesus não era algo imputado por outro, mas algo que lhe pertencia por Natureza. 

O incenso representa a divindade de Jesus que, sob a forma de criança, sustentava a existência do mundo. Não obstante dormisse ou chorasse, Aquele era o Onipotente. O incenso representa ainda os cultos e sacrifícios antigos que, aqui, têm o seu término, cedendo lugar para o Verdadeiro Deus.

A Mirra, uma erva amarga, fala da vida do Cristo que, assumindo a condição do escravo, viverá na pobreza, na privação, "sem ter onde reclinar a cabeça", e, por fim, morrerá sobre o lenho da Cruz, humilhado, escarnecido e desprezado pelos seus. Este traço do Cristo resignado não deve ser visto somente no Calvário. Na verdade, ele acompanhará toda a vida do Cristo e Lhe será grande cruz, dirá Sta Teresa D'Avila, amar tanto os homens e, ao mesmo tempo, contemplar-lhes, até o fundo da alma, as crueldades, hipocrisias e pecados. Cristo será o "amigo das dores e do sofrimento" de que falou Isaías.

Agora, porém, Ele dorme. É noite, faz frio e o mundo parece todo em silêncio, como cuidadoso de não acordá-Lo. A Virgem e José O adoram, admirados de tudo isso.

Por este mistério, peçamos a Nosso Senhor, pela intercessão da Virgem Santíssima, o desprezo das honrarias humanas, o amor da pobreza e a graça de nos esvaziarmos para que possamos estar sempre abertos ao Mistério.

"Sei que gostais de vir sem ser notado... 
Mas o coração puro, de longe, Senhor, vos perceberá."
Sta Faustina

Fábio

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