quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Desprendimento

 S. Josemaria Escrivá

Por que te debruçares a beber nos charcos dos consolos mundanos, se podes saciar a tua sede em águas que saltam para a vida eterna?

Desprende-te das criaturas até ficares despido delas. Porque - diz o Papa São Gregório - o demônio nada tem de seu neste mundo, e acode nu à contenda. Se vais vestido lutar com ele, em breve cairás por terra. Por que terá por onde te pegar.

Desprendimento. Como custa!... Quem me dera não estar atado senão por três pregos, nem ter outra sensação em minha carne que a Cruz!

Jesus não se satisfaz "compartilhando"; quer tudo.

Não queres submeter-te à Vontade de Deus... E, no entanto, acomodas-te à vontade de qualquer pobre criatura.

Não percas a perspectiva: se se dá a ti o próprio Deus, por que esse apego às criaturas?

Agora, tudo são lágrimas. - Dói, não é mesmo? - Pois é claro! Por isso precisamente te acertaram com o dedo na chaga.

Tens expansões de ternura. E eu te digo: - Caridade com o próximo, sempre.
Mas - ouve-me bem, alma de apóstolo -, é de Cristo, e só para Ele, este sentimento que o próprio Senhor põe em teu peito.
- Além disso..., não é verdade que, ao abrires algum ferrolho do teu coração - necessitas de sete ferrolhos -, mais de uma vez ficou pairando em teu horizonte sobrenatural a nuvenzinha da dúvida... e perguntaste a ti mesmo, preocupado, apesar da tua pureza de intenção: - não será que fui longe demais nas minhas manifestações exteriores de afeto?

"Se o teu olho direito te escandaliza..., arranca-o e joga-o para longe!" - Pobre coração, que é ele que te escandaliza!
Aperta-o, amarfanha-o entre as mãos; não lhe dês consolações. - E, cheio de uma nobre compaixão, quando as pedir, segreda-lhe devagar, como em confidência: - "Coração: coração na Cruz, coração na Cruz!"

Como vai esse coração? - Não te inquietes; os santos - que eram seres bem constituídos e normais, como tu e como eu - sentiam também essas "naturais" inclinações. E se não as tivessem sentido, a sua reação "sobrenatural" de guardar o coração - alma e corpo - para Deus, em vez de entregá-lo a uma criatura, pouco mérito teria tido.
Por isso, uma vez visto o caminho, creio que a fraqueza do coração não deve ser obstáculo para uma alma decidida e "bem enamorada".

"Ah, se eu tivesse cortado no princípio", disseste-me. - Oxalá não tenhas que repetir essa exclamação tardia.

A dor esmaga-te porque a recebes com covardia. - Recebe-a como um valente, com espírito cristão; e a estimarás como um tesouro.

O Amor... bem vale um amor!

S. Josemaria Escrivá de Balaguer, Caminho.

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