quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

As quatro paixões que nublam os olhos da alma

Eu já desenvolvi este tema aqui no blog, mas quero tentar ser um pouco ainda mais claro, por causa da importância que julgo ter. Se alguém o assimilar e aplicar à vida, corajosamente, haverá de encontrar aí um tesouro.

Trata-se da teoria das quatro paixões elencadas por S. João da Cruz, e que são: o medo, a dor, a esperança e o prazer. Relembremos que o termo “paixão” vem do grego “pathos” que significa passividade ou possibilidade de sofrer algo.

Estas quatro se chamam “paixões” porque se dão num sujeito que, então, se torna passivo a elas. Há, porém, a possibilidade de rompê-las, de vencê-las. S. João da Cruz afirma, na esteira de Boécio, que os que conseguirem a vitória sobre elas, a ponto de reduzi-las a nada, haverão de ver as coisas com clareza e profundidade e nada mais lhe será misterioso.

Neste sentido, escreve o monge Thomas Merton: “no mundo há poucos que vêem as coisas na sua perfeita verdade e são estes que sustentam o universo”. A frase, claro, tem muito de poético, mas faz ver o que se quer dizer.

É ainda uma variação do que diz Dante na divina comédia, expressão que era frequentemente evocada pelo saudoso Prof. Orlando Fedeli: “Com olhos claros e afeto puro”. Os olhos podem significar a potência intelectiva, visto ser o olho o sentido que mais dá informações ao sujeito. Mas ela pode, também, conforme Sto. Tomás, simbolizar a intenção da alma que, se for pura, escreve Tomás de Kempis na Imitação, poderá abraçar a Deus.

Estas coisas, porém, somente se adquirem com a vitória contra aquelas quatro paixões.

Sigamos, então, expondo o que são as paixões e modos de vencê-las. Observemos que o prêmio que daí surge não é pequeno. É que elas viciam a consideração da alma e, uma vez que se lhes são arrancadas as rédeas, a alma ganha muito em liberdade e maturidade.

Como já dito da outra vez, é interessante fazer um pequeno paralelo com Freud e mostrar o tremendo engano desse guru moderno. Freud, criador da Psicanálise, que se pretende “Psicologia Profunda”, chegou apenas a uma consideração superficial, se o compararmos a S. João da Cruz ou aos santos todos que, segundo o que convencionou chamar de “Maiuêtica Cristã”, conheciam-se a si mesmos em Deus. O sistema freudiano parte de pressupostos falsos o que vicia toda a sua teoria de meia tigela.

Mas, façamos o paralelo. Para Freud todo ser humano se move, sempre, em dois sentidos bem gerais, aos quais ele chama de Pulsão de Vida e Pulsão de Morte e que mais não são que a busca pelo prazer e a fuga do não-prazer, isto é, da dor; a pulsão de morte recebe este nome porque o seu característico é usar de agressividade contra aquilo que contraria o prazer. Para Freud, todo e qualquer ato humano tem como razão de fundo esta dinâmica que, bem poderíamos reduzir à busca de prazer, com suas respectivas implicâncias positivas (algo que se faz) e negativas (algo que se evita). Não obstante os termos técnicos, estamos aqui diante dos velhos efeitos do pecado original, isto é, do egoísmo ou do amor próprio, puro e simples.

Freud reduziu o ser humano a uma marionete do amor próprio.
No entanto, S. João da Cruz encontra, não apenas estas duas paixões, mas quatro que, em última instância, poderão ser reduzidas a duas e, estas, a uma só.

Temos, então, a dor. Depois temos o medo que é uma certa expectativa da dor. Em terceiro, temos o prazer e, por fim, a esperança que é uma expectativa do prazer. Tudo isto são os movimentos do amor próprio que assume mil disfarces. Mas, sobretudo, se esconde neste quatro.

Para Freud o homem é isso. Para S. João da Cruz, o homem começa a ser ele mesmo quando vence essa prisão que estreita os horizontes da alma.

A arma a se usar nesta luta não é outra que a cruz, isto é, a negação de si, a pobreza interior, a via estreita de Nosso Senhor. Interessante este paradoxo: é seguindo a via estreita que alargaremos os horizontes.. :-)

S. João da Cruz dá um conselho aos que querem avançar a passos largos no caminho espiritual: “Inclinem-se sempre ao menos saboroso e mais dificultoso”, isto é, contrariem aquela dinâmica que lhes leva a buscar prazer naquilo que fazem. Porque esta busca de prazer colore com matizes falsos aquele dado serviço. Ele assume o seu valor à medida que causa ou não prazer. E isto é falso. Para se libertar desta ilusão, é preciso mortificar esta busca egoísta por prazer e, uma vez que se o faça e se mantenha este neste caminho, a pobre alma começará a respirar melhor e a ver certos lumes que antes não notava.

O objetivo é que o sujeito passe a ver o valor de um serviço, não pelo que dele goza ou sofre, mas pelo seu valor objetivo. Porém, para tal objetividade, será preciso aquietar o egoísmo que se manifesta precisamente nesta busca por situações mais saborosas, seja com os trabalhos, seja com as pessoas, etc. 

No livro do Amigo e do Amado, o amigo diz a Jesus que “entre os trabalhos e os prazeres que me dás, não faço diferença”. Isto é, já, um efeito deste exercício.

Esta prática vai dando uma liberdade gradativa e, consequentemente, vai tornando o olhar mais puro e mais penetrante na natureza mesma das coisas, ao ponto de o sujeito compreendê-las facilmente e fazer os seus serviços “na razão e justiça de fazê-los, e não segundo os gostos que deles resultam”.

Se não se busca o prazer, naturalmente também se aquieta a esperança, cuja razão de ser é esperar, naquilo que encontra, obter o gozo. Se não se foge da dor, então, igualmente, o medo desaparece. Sem estas lentes falsas, o mundo brilha em todo o seu frescor e cor naturais, na sua simplicidade e a inteligência lhe capta a verdade.

Ah.. é tão saboroso viver dessa forma. Se os homens o soubessem, venceriam o amor próprio, se o pudessem, com um golpe só a fim de abater tão chato inimigo.

É como dizia o monge Thomas Merton: “o amor próprio é o inferno”. Porém, uma vez que lhe arrancamos da alma, e pra isto vai um longo processo, a vida se torna um prelúdio do Céu.

Lembremos ainda que a união com Deus se dá também pela verdade. Segue disto que, lendo a verdade das coisas, a alma se une à própria Verdade que é Cristo.

Agora, relendo o que escrevi acima, notei que ficaram algumas coisas por dizer... 
As abordarei depois.

Fábio.

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