sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Características do legítimo amor

"O amor, quando já crescido, não pode ocioso ficar, nem o forte sem lutar por amor de seu querido"

O amor é um princípio de união. Isto significa que ele tende a unir objetos que se amam. Une aquele que ama ao objeto do seu amor, ou, pelo menos, lhe tensiona aproximar-se. Quando o amor existe em ambos os objetos, eles se aproximam e se abraçam mutuamente. Isto é assunto do qual não restam dúvidas. A este respeito, dizia Aristóteles que o mundo se move porque busca a Deus, assim como o amante se move em direção ao ser amado.

Mas se formos tratar de amor literal, ele só pode existir em seres dotados de vontade, porque é a vontade que ama. E ama o quê? Aquilo que a inteligência lhe informa ser um bem. Portanto, só há amor em seres dotados de inteligência. Daí que, somente seres racionais e dotados de vontade podem amar.

Dissemos que a vontade ama aquilo que a inteligência lhe afirma ser um bem. Portanto, é amável aquilo que é bom. A inteligência pode se enganar, mas, se acerta, então aquele objeto em questão é realmente digno de ser querido. Deus é o sumamente amável. Aqueles que negam a sua existência não podem amá-lo, pois a negam pela razão. Daí que a vontade não é informada sobre a divindade e não pode amá-la. Neste caso, a inteligência deles se engana.

Os santos, ao contrário, foram aqueles que, a partir da contemplação de Deus, isto é, do detimento da inteligência nas coisas superiores, passaram a amar a Deus profundamente.

A bondade faz o pano de fundo do amor. Daí que, se o amor não corresponde a esta bondade, não a tem por fim e por meio, então ele se corrompe. E à medida que se afaste daquilo que deveria ser, será tanto menos amor. Quando, ao contrário, é realmente a bondade que anima o amor, ela não apenas o torna verdadeiro amor, como lhe intensifica de modo proporcionado àquela bondade. Deus, sendo o próprio Amor, sendo a própria Bondade, sendo o próprio Bem, obviamente que não pode ficar de fora desta história.

Sendo a Bondade em si, é digno de ser amado sobre todas as coisas. Daí que se um amor outro compete com Deus, este outro perde a razão de ser. Um amor humano só pode ser amor à medida que se insira neste amor maior de Deus, princípio e fim de todo amor, e para ele contribua.

O amor é ainda um principio de transformação. Sendo princípio de união, ele une. Sendo princípio de transformação, ele transforma aquele que ama à semelhança do amado. Daí que os santos vão, aos poucos, assumindo as feições espirituais de Jesus Cristo, imitando a Sua bondade, as Suas atitudes.

S. João da Cruz expressa este duplo princípio na sua frase: "Oh noite que juntaste Amado com amada (princípio unitivo), amada já no Amado transformada (princípio transformativo).

Acontece, porém, que há vários quês que dificultam a consumação do amor. Se o amor é algo que leva o amante a sair de si, em busca de um outro, o seu oposto é o egoísmo que remete tudo a si mesmo, inclusive este outro. O egoísmo é o oposto do amor. Enquanto este liberta, o egoísmo aprisiona, usa, manipula e, com facilidade, descarta. A conversão é um caminho do egoísmo para o autêntico amor. E nas relações inter-pessoais este amor verdadeiro deve ser promovido e o egoísmo, deposto e expurgado.

Uma outra característica do amor é que ele é dotado de certa violência, e isto para lutar contra os seus inimigos no caminho. Neste sentido, clama o escritor bíblico a Deus, Sumo amor: "prevalece contra teus inimigos". E é precisamente sobre isso que diz o livro dos Cânticos: "pois o amor é forte como a morte". Ainda, na mesma trilha, segue Nosso Senhor: "pois o Reino dos Céus é tomado à força e só os violentos o conquistam". Falando assim, Ele não quis dizer outra coisa além disto: só quem muito ama é que alcança a beatitude. O livro dos cânticos descreve ainda os guerreiros que sobem do deserto, à noite, escoltando a liteira de Salomão e que, experimentados no combate, trazem a arma ao lado por causa dos inimigos no percurso. Esta arma é a cruz, a bendita espada do amor, a suma insígnia real dos amantes.

Há, portanto, dificuldades para a realização do amor, isto é, para a união dos que se amam autenticamente e para a requerida transformação mútua, pois, conforme diz S. João da Cruz, "o amor é maior onde é maior a semelhança", uma das razões pelas quais Cristo se tornou um de nós, a fim de que mais o amássemos. Em vistas destes inimigos, o amor usa de uma certa violência. E como faz isso? Como é a vontade que ama, o amor mobiliza a vontade a manter firmes certas decisões, independente das consequências e ameaças, e  a continuar o passo, desde que aquele Bem, contemplado pela inteligência, seja bem real.

Neste contexto, anima-nos Nosso Senhor: "Coragem! Eu venci o mundo!". Tanto amou-nos que venceu o mundo.

Tendo dito que o amor é violento, não decorre que seja grosseiro. Ao contrário, o amor é muito delicado. Nota as dificuldades espalhadas no caminho, nota os sujeitos envolvidos e, enquanto cuida o mais possível daqueles que estarão dispostos na arena, não deixa de lutar. Fazendo isto, testemunha a autenticidade do seu amor e dá ocasião para que os sujeitos que contra ele combatem, tenham também os seus corações, isto é, as suas vontades, como que tocados pela veracidade daquele amor. Isto poderá fazer com que se redimam. No entanto, aquele que combate por seu amor somente pode fazer isto. Suavizar aqui e ali o golpe, cuidar para que, na medida do possível, os sujeitos sejam imobilizados ou derrubados com mínima dor. Quanto aos inimigos frontais do amor, que nunca são pessoas, o amor é maximamente violento. Tais inimigos são: o egoísmo, a covardia, os apegos excessivos, o pecado, a incompreensão injusta dos demais. "Eu porei os filhos contra os pais", disse Jesus. E o amor exige que aquele que foi chamado, levante-se e siga. "Seduziste-me e eu me deixei seduzir. Por vossa causa estão todos contra mim", clama um dos profetas. E mesmo assim, pede-se que mantenha o passo. O amor saberá compensar, mas não se podem querer adiantamentos; fazê-lo é deixar a gratuidade do amor e ceder um pouco ao egoísmo. Voltar atrás é tratar o amor com indignidade: "Quem olha pra trás, não é digno de mim". E, contrariando o amor, não se está rumando para um bem objetivo.

É como diz uma música muito conhecida: é preciso entender e aceitar as implicâncias do amor. Que a ele nunca se mescle o egoísmo que age segundo critérios opostos. Mas que ao amor se corresponda com coração generoso, pois o amor é aquilo pelo que tanto procuramos.

Fábio

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